Solidão
"Solidão é
requisito para nascer e para morrer.
(...)
Sem ela me manterei aturdida,
ocupada, agendada só para driblar o tempo e não ter que me fazer companhia. Sem
ela trairei meus desejos, rirei sem achar graça, endossarei idéias tolas só
para não ter que me recolher e ouvir meus lamentos, meus sonhos adiados, meus
dentes rangendo. Sem ela, e não por causa dela, trocarei beijos tristes e
acordarei vazia em leitos áridos. Sem ela sairei de casa todos os dias e me
afastarei de mim, me desconhecerei, me perderei.
Solidão é o lugar onde encontro a
mim mesma, de onde observo um jardim secreto e por onde acesso o templo em mim.
Medo? Sim. Até entender que o monstro mora lá fora e o herói mora aqui dentro.
Encarar a solidão é coisa do herói em nós, transformá-la em quietude é coisa do
sábio que podemos ser.
Num mundo superlotado, onde tudo
é efêmero, voraz e veloz, a solidão pode ser oásis e não deserto. Num mundo tão
volúvel, desencantado e ansioso, a solidão pode ser alimento e não fome. Num
mundo tão barulhento, egoísta, atribulado, a solidão pode ser trégua e não
luta. Num mundo tão estressado, imediatista, insatisfeito, a solidão pode ser
resgate e não desacerto. Num mundo tão leviano, vulgar, que julga pelas
aparências e endeusa espertalhões, turbinados, boçais, a solidão pode ser
proteção e não contágio. Num mundo obcecado por juventude, sucesso, consumo, a
solidão pode ser liberdade e não fracasso.
Marque encontros com você mesma. Experimente. Dê-se um tempo.
Surpreenda-se. Solidão é exercício, visitação. É pausa, contemplação,
observação. É inspiração, conhecimento. É pouso e também vôo. É quando a gente
inventa um tempo e um lugar para cuidar da alma, da memória, dos sonhos; quando
a gente se retira da multidão e se faz companhia. Quando a gente se livra da
engrenagem e troca o medo de ser só pela coragem de estar só. Não falo de
isolamento, nem ruptura ou apartamento. Adoro gente mas, mesmo assim, e talvez
até por isso, preciso de solidão. Preciso estar em mim para estar com outros.
Ninguém quer ser solitário,
solto, desgarrado. Desde que o homem é homem, ou ainda macaco, procuramos não
ficar sozinhos. Agrupamo-nos, protegemo-nos, evoluímos porque éramos um bando,
uma comunidade. Somos sociáveis, gregários. Queremos família, amigos, amores.
Queremos laços, trocas, contato. Queremos encontros, comunhão, companhia.
Queremos abraços, toques, afeto. É a nossa vocação. Mas, ainda assim, revendo o
poeta, ouso dizer: é preciso aprender a estar só para se gostar e ser feliz.
O desafio é poder recolher-se
para sair expandido. É fazer luz na alma para conhecer os seus contornos,
clarear o caminho e esquecer o medo da própria sombra. Existem pensamentos,
orações, sorrisos, encontros e realizações que só acontecem quando estamos a
sós. Existem curas, revelações, ideias, lembranças que só podem vir à tona
quando estamos sós. Mesmo os momentos compartilhados só serão inesquecíveis se
uma parte nossa estiver inteiramente só para apreender tudo que apenas a nós se
revelará e tocará.
Existe uma pessoa que só
conhecemos se conseguimos ficar sós: nós mesmos!
Seja amigo da solidão. Aceite
seus convites, passeie com ela, desmistifique-a. Não corra dela, não tenha
medo. Desassombre-se. Ouse a solidão e fique em ótima companhia.
Texto retirado da internet
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